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AUSLÄNDER

“Fisicamente, habitamos um espaço,

mas, sentimentalmente, somos habitados

por uma memória.”

 

José Saramago

 

“Ausländer”, em alemão, significa estrangeiro. Este ensaio parte da tensão entre nome e identidade, da contradição de carregar um sobrenome que liga a artista a um lugar que, ao mesmo tempo, a rejeita. Uma terra distante, marcada por ausências, onde a ideia de pertencimento se desfaz diante da constatação de que ela nunca fez parte dali.

 

O trabalho é uma história de deslocamento, busca e reencontro imaginário entre neta e avô. Uma tentativa de costurar sentidos entre silêncios, lacunas e lembranças não vividas, mas herdadas, memórias que atravessam o corpo e a narrativa da artista, expondo o paradoxo entre ancestralidade, ascendência e o sentimento persistente de estranhamento. As imagens foram construídas a partir da inquietação do não pertencimento, da relação densa com o espaço, o tempo e o vazio. As fotografias surgem como ruínas de uma memória quase extinta, frágeis como cartas que o tempo tornou indecifráveis, restando apenas o gesto suspenso de quem um dia escreveu. Na Alemanha, Priscilla buscava, entre os rastros do avô, algo da sua própria história. Não procurava apenas uma conexão, mas um reflexo de pertencimento. No vilarejo de Nannhausen, com pouco mais de 600 habitantes, onde ele nasceu, encontrou apenas o silêncio e a constatação de que ali era, de fato, estrangeira. Coincidentemente ou não, todas as fotografias feitas da casa onde o avô nasceu se perderam.

 

Após dias tentando compreender tantas perdas, a artista percebeu que sua busca estava voltada para o lugar errado. A Alemanha pertencia ao avô, não a ela. Ali, ela era estrangeira, assim como ele também se tornara estrangeiro após tantos anos longe da própria terra. A partir dessa ruptura, Priscilla desloca o olhar para o que lhe era verdadeiramente familiar: a casa no Recife onde o avô viveu e que também habitou sua infância. Um espaço que, mesmo íntimo, levanta dúvidas: seriam as lembranças que guarda reais ou invenções do tempo? Dessas ausências nasceu Ausländer. Um ensaio sobre perda, não pertencimento e vazio. Mas também sobre afeto e reconexão. Através da criação de imagens, a artista se reencontra com o avô e, mesmo que no campo do imaginário, lhe mostra as fotografias que falam da presença dele em sua história.

*Ensaio vencedor da categoria Revelação do

Prêmio Brasil de Fotografia 2013.

@ priscillabuhr

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